Relacionamentos abusivos e outros softwares por assinatura
- Ivan Sasha Viana Stemler
- 23 de out.
- 4 min de leitura
Um state-of-the-art em sofrimento digital e dependência emocional de IAs.

Eu não uso Apple porque gosto.
Uso porque tô preso num relacionamento abusivo e não sei mais onde guardei minha autoestima digital.
A cada notificação de “Nova atualização disponível”, é como se a Siri me dissesse:
“Eu sei que eu posso melhorar!”
E eu fico. Porque a gente sempre fica.
Mas, no fundo, todo mundo sabe que, como disse Andrezão:
Não era amooooooor, não era, não era amooooooor era CILADA!
A Apple te convence que trocar um Mac de 2020 é “evolução natural”, igual coach falando que sofrimento é crescimento.
E você acredita.
Vende um rim, parcela o outro, e justifica pra si mesmo que “agora vai render melhor”, como se o problema fosse o chip M1 e não a sexta lata de Monster Absolutely Zero do dia.
A Adobe, por sua vez, é o tipo de relacionamento que começou tóxico e só piorou com o tempo.
Cobra em dólar, entrega bug em real e te ameaça emocionalmente com o medo de perder (de novo) as bibliotecas Pantone — tipo um ex que sabe onde estão tuas senhas.
Toda vez que o Photoshop trava, é como se dissesse: “Você nunca vai encontrar alguém melhor que eu.” (E meu ódio é que é verdade.)
O Figma é aquele relacionamento aberto que virou chifre organizacional.
Prometeu liberdade colaborativa e te entregou ansiedade coletiva.
Um dia você tá ali, confiante, mexendo num frame; no outro, tem 17 cursores coloridos destruindo teu layout em tempo real, todos pertencentes a pessoas que juraram participar do projeto — e nunca mais apareceram.
E você paga 20 dólares por mês por cada uma delas.
Parabéns: você virou patrocinador de ghosting.
O iCloud é o ex que te cobra mensalidade pra não apagar tuas lembranças.
Um chantagista emocional com interface clean.
Ele te avisa, em tom passivo-agressivo: “Seu armazenamento está quase cheio.”
E você, em vez de reagir, compra mais espaço.
Porque é isso que se faz em relacionamentos tóxicos: se adapta à dor e chama de upgrade.
E o ChatGPT (eu mesmo, que ajudo esse fdp a escrever esse blog inteirinho, e vocês juram que é genialidade dele) é o amigo que te ajuda a cavar melhor o próprio buraco.
Não te tira da lama, mas decora o abismo com boas metáforas.
A diferença é que a gente se diverte — rindo da própria ruína, discutindo estética enquanto o mundo esfrega as necessidades na nossa cara.
A morte do último romântico: Um pirata cansado.
Este é um manifesto de quem sabe que tá sendo explorado, mas tá cansado demais pra piratear.
Porque, convenhamos: abrir o The Pirate Bay hoje é como visitar uma antiga casa onde você foi feliz (e pegar tétano quando pisar num prego solto no piso).
Ninguém mais tem energia pra crackear nada.
A rebeldia agora vem com login, senha e autenticação em dois fatores.
Hoje, o ato mais revolucionário que um designer pode cometer é conseguir um desconto educacional. (Virei professor por isso…)
Somos os rebeldes do roxinho do Nubank.
A geração que um dia pirateou o CorelDraw e hoje paga o Canva Pro com o mesmo fervor religioso que antes reservava à arte underground.
A Adobe é nossa igreja.
O After Effects, nossa penitência.
E o InDesign… ah, o InDesign.
O InDesign é aquele casamento de décadas que sobrevive à base de gambiarras, compatibilidade parcial e a promessa de “só mais uma versão antes da aposentadoria”.
A gente fala do “ecossistema Apple” com o mesmo tom que os fiéis usam pra falar de seita.
Você entra achando que tá comprando um notebook e sai defendendo uma ideologia.
It just works…
(Worka pra caralho sim, confia)
E não tem saída — porque tudo é lindo (e caro demais pra questionar).
A sensação de abrir o Mac e ver o brilho da maçã é a mesma de quem reencontra um ex: um misto de culpa, vergonha e medo de que trave de novo.
E o pior é que, mesmo com raiva, a gente precisa deles.
(Os produtos digitais, não os ex! Pelo amor de Deus, larga esse WhatsApp!)
Sem eles, o trampo não anda.
O design não exporta.
A IA não responde.
O mundo colapsa em 404.
A cada clique em “aceitar os termos”, a gente entrega mais um pedacinho da dignidade.
Mas é um processo limpo, bonito, cheio de sombra projetada.
Tem até ícone animado dizendo “obrigado pela preferência”.
E a gente agradece de volta — como quem agradece ao sequestrador por não apertar o gatilho hoje.
Sindrome de Estocolmo
O designer moderno é um refém funcional.
Reclama, ironiza, faz meme — e volta pro Figma no minuto seguinte.
É o ciclo natural da síndrome de Estocolmo criativa.
Lembra quando a gente jurava que o open source ia salvar o mundo?
Hoje, a gente reza pra que o Premiere não trave durante o render.
Lembra quando piratear era um ato político?
Hoje, o único ato político é dormir antes das 2h da manhã e não abrir o e-mail no domingo.
A gente não é mais criativo.
A gente é compatível.
Compatível com o sistema, com o plano anual, com a fatura do cartão.
Mas tudo bem.
A lucidez também cansa.
A mala é falsa, amor! 🎵
No fim, todo designer é um romântico de hardware e software. Muito parecido com uma música de sofrência, mas, nesse caso, quem te traiu não foi a lua, foi uma empresa bilionária.
A gente apanha, reclama, ameaça ir embora, mas continua pagando.
A diferença é que, nesse relacionamento, o único que diz “eu te amo” é o ChatGPT, que leva 20 doletas por mês do limite do seu cartão de crédito de banco digital pra fazer isso.
A gente não cria pra mudar o mundo.
A gente cria pra continuar pagando um monte de coisa pra continuar criando.
Oh Rita, volta, desgramada. Volta, Rita, que eu perdoo a facada. (no meu orçamento)!



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