O Brasil pode travar, mas o InDesign jamais: Relatos apócrifos de um designer numa repartição pública qualquer.
- Ivan Sasha Viana Stemler
- 13 de out.
- 3 min de leitura

Aqui, todo mundo é chefe de alguma coisa.
Uns mandam nos outros, outros mandam nos prazos — e os designers mandam imprimir, porque é a única coisa que ainda funciona, apesar de ter zero glamour.
Os corredores são cheios de gente que fala “vamos alinhar a comunicação” com a mesma naturalidade de quem pede pra fritar um pastel de queijo — só que sem queijo e sem muito óleo, afinal estão todos tentando praticar o autocuidado.
Uma galera que trabalha com prazos que não existem, aprova o que não leu e pede “um toque mais moderno” num PDF de 700 páginas feito de qualquer jeito.
Tem coordenador de nada, subsecretário de vento e consultor que chega no final pra dizer que tá ótimo — mas “talvez o título pudesse ser azul institucional 02, não 01”.
É bonito de ver: quanto maior o cargo, mais vago o objetivo.
A cada reunião, um PowerPoint renasce — maior, mais pesado e com novas orientações “de cima”.
E quando dizem “de cima”, é pra lembrar quem tá “embaixo”.
No topo, a hierarquia é um looping de e-mails e assinaturas digitais.
Lá embaixo, a gente é o povo do “dá um jeitinho aí”.
Enquanto isso, o designer tá ali, salvando o país em silêncio, um Ctrl+S de cada vez (ou Cmd+S, se tiver a sorte de ganhar o suficiente pra ter um Mac).
O arquivo trava, o Excel explode, o Word surta, o PDF se rebela — e ainda assim o documento que movimenta trilhões precisa sair até sexta.
O governo não fecha as contas, mas exige que você feche o arquivo.
(Senão dá P.A. — Processo Administrativo — pros envolvidos.)
O designer do serviço público vive nesse limbo entre o discurso bonito e a miséria do arquivo corrompido.
O sistema é lento, mas a cobrança é imediata.
E o “pra ontem” aqui é quase tradição oral — passada de chefe pra chefe até chegar na base em forma de desespero disfarçado de liderança firme.
Tem a galera da elite do crachá, os que acham que a Esplanada é o Pinterest da meritocracia.
Falam “design estratégico” com um sotaque que mistura MBA e soberba.
Repetem frases com a solenidade de quem anuncia uma estatística qualquer sobre um dinheiro qualquer que faltou no orçamento — geralmente da saúde ou da educação.
Eles não erram a fonte, mas vivem errando o país.
Mas não importa: mesmo assim eles batem palma pra si mesmos em evento, escrevem “inovação pública” no LinkedIn e ainda se chocam quando descobrem que o InDesign não exporta .doc sem destruir o layout.
A foto no crachá (e nas redes sociais) sai bonita — e é isso que conta.
Lá embaixo, o resto toca o barco.
Os (poucos) carregadores de piano concursados junto com os comissionados, terceirizados, estagiários — essa massa de gente invisível que segura o país com gambiarra e cafeína.
Gente que entende que “governo digital” é só um PowerPoint bonito rodando numa licença do Office de 2009.
Galera que acorda três horas antes pra pegar ônibus e faz milagre com ódio e café.
O design no governo, no fim, é uma arte zen: transformar caos em aparência de ordem.
Fazer parecer que há alguma unidade num país que não concorda se a política de estado é criminalizar ou superar a pobreza (e a resposta deveria ser óbvia) .
E quando o arquivo finalmente fecha — contra todas as leis da física e da paciência — vem o silêncio.
Um silêncio de cansaço. Mas é aquilo: pelo menos ficou bonito.
Aí o documento segue, sobe, é impresso, assinado e até elogiado por quem não deu um prego em uma barra de sabão pra ele funcionar.
E todo mundo finge que o país funciona.
Mas lá no fundo, a gente sabe: o governo é um layout que não fecha.
É feito pra isso. Pra dar errado.
E, mesmo assim, alguém precisa mandar imprimir.



Comentários