Manual de sobrevivência para humanos ligeiramente obsoletos
- Ivan Sasha Viana Stemler
- 25 de out.
- 3 min de leitura
Outro dia, pedi pro ChatGPT me ajudar a escrever um texto sobre inteligência artificial.
Ele escreveu.

E o pior é que ficou bom… (E o desespero do ser humano em suposta obsolescência só aumentou!)
O problema é que agora eu não sei mais se tô escrevendo com ele, contra ele, ou pra ele.
Talvez tudo ao mesmo tempo — uma suruba criativa entre humano, máquina e a ansiedade de não saber mais quem é quem nesse relacionamento.
Mas calma, não é sobre demonizar a IA.
(Nem glorificar.)
É só sobre o fato de que, em 2025, a gente acorda cansado, abre o computador e pensa:
“Beleza. O que eu ainda faço melhor que uma rede neural hoje?”
A IA escreve textos, gera imagens, sintetiza vozes, responde alunos e, se deixar, corrige trabalhos com mais empatia que muito professor de verdade.
Mas tem uma coisa que ela ainda não consegue fazer:
ficar de saco cheio.
E, olha… isso ainda é a base da criação humana.
A IA gera texto, mas não gera tesão de escrever.
Ela entende de contexto, mas não entende o colapso de uma segunda-feira.
Ela consegue simular um trauma, mas não sabe o que é acordar com dívida, chefe e crise existencial na mesma notificação.
E é aí que mora a diferença.
Porque criatividade é, no fim das contas, um subproduto do tédio — e eu nunca vi servidor em nuvem entediado.
O designer usa DALL·E, mas ainda apaga o fundo na unha.
Não porque o software não saiba, mas porque a mão tremida tem um charme que o prompt não imita. (Tente se convencer disso todo dia, falhe, e tente de novo… Pro resto da sua vida, a partir de agora)
O professor vê aluno gerando TCC com IA e pensa:
“Ok, pelo menos alguém tá lendo alguma coisa.”
E o redator, o jornalista, o artista… todos a mesma coisa:
tentando convencer a si mesmos de que o erro ainda é um traço de humanidade.
A real é que a IA não vai matar o humano criativo.
Ela vai só tirar o disfarce.
Vai mostrar quem tava criando de verdade e quem só tava apertando botão.
Mas calma — não é competição.
O ChatGPT não quer teu emprego (ele não tem aluguel pra pagar, mas talvez o Sam Altman queira o seu rico dinheirinho...).
O DALL·E não tá atrás do teu trampo (ele não sabe o que é cliente pedindo “só um ajuste rapidinho”).
Essas ferramentas só ampliam a bagunça que a gente já vivia, e deixam mais visível o que sempre foi invisível:
a linha tênue entre pensar e repetir.
E, no fim, talvez esse seja o verdadeiro manual de sobrevivência pra humanos ligeiramente obsoletos:
não tentar vencer a máquina.
Ela é rápida, precisa, e nunca esquece nada — mas também nunca se apaixona, nunca duvida, nunca procrastina, nunca tem um dia ruim.
A gente tem tudo isso.
E não é que isso salve a gente, exatamente. Mas pelo menos dá tempero pra esse arroz com feijão maquínico que é a nossa sociedade, por mais que, às vezes, esse tempero seja uma garrafada de pimenta baiana daquelas que arde, mas a gente insiste porque já não sente mais o gosto de nada.
(É o que mantém a espécie funcionando: café, raiva e o leve prazer de reclamar de tudo enquanto faz tudo de novo. Com muito cinismo, café e um restinho de esperança que sobrou de 2013, quando o mundo não acabou em 2012. Os Maias erraram, infelizmente).
Então segue o baile.
Deixa a IA te ajudar a escrever, mas não deixa ela roubar tua dúvida.
Porque é na dúvida que mora a criação.
E, convenhamos — se o ser humano já travava no Word, por que o mundo acha que a máquina vai dar conta de tudo?
A IA é boa: mente com lógica. Mas a gente mente com fé, esperança e irresponsabilidade — e talvez seja isso que ainda nos salva, ou pelo menos nos distrai.
Esse talento segue exclusivo da humanidade…



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