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🧰 Acidentes de Percurso

  • Foto do escritor: Ivan Sasha Viana Stemler
    Ivan Sasha Viana Stemler
  • 12 de nov.
  • 3 min de leitura

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Tem gente que acha que nasceu pra ser Ferrari.


Mas aí a vida vem, o asfalto cede, o pneu fura, o motor ferve — e o que sobra é uma carroceria amassada tentando lembrar o que era pra ter sido.


Eu costumo chamar meus alunos de meus acidentes de percurso favoritos.

Eles riem, acham que é piada. Mas é sério.


Alguns, por exemplo, deviam estar no Campus da L2 Norte, e vieram parar no da L2 Sul.

Eles dão lá as desculpas deles, dizem que tem ranço, mas eu sei: eles seriam grandes lá.


No fim, eu acho que eles ficam é meio putos comigo por falar isso deles.


Mas o que eles ainda não perceberam é que eu também sou um acidente, só que mais grave.


Um desses que achou que tava acelerando em linha reta pra algum futuro brilhante — e acabou capotando umas cinco vezes no meio do campus da UnB


(Diferente deles, eu pelo menos acertei a entrada, mas o capotamento em frente à faixa de pedestre entre o pavilhão Anísio Teixeira e o ICC Norte foi mais feio que botar fogo na mãe e apagar na paulada.)


Mas eu finjo que foi nada, só o suficiente pra aprender que a pressa é o combustível mais inflamável que existe.


O fiasco do primeiro lançamento


Eu quis ser um carro de luxo antes de saber se o meu motor era a gasolina ou a álcool.

(Em alguns momentos eu achei que era total flex. Bebia qualquer coisa que pegasse fogo se acendesse um fósforo perto!)


Eu também achei que ia sair da fábrica direto pra pista — polido, potente, pronto pra ultrapassar tudo e todos.

Quis acelerar o processo, cut some corners e fabricar uma Ferrari com o manual de um Chevette Tubarão 1977.

(Desculpa os chevetteiros, nada contra os Chevette, tenho até amigos que são.)

E o mercado, que tem faro pra amadorismo disfarçado de genialidade, deu aquele sorrisinho de vendedor de concessionária e disse:


“Bonito o ronco do motor, mas esse painel tá meio improvisado, né?”


Foi aí que vieram as peças genéricas.

A pintura verde-limão.

O rebaixamento da suspensão pra parecer mais marrento.

E, por um tempo, eu me convenci de que tava tudo bem — que dar tranco e passar de lado em quebra-molas era parte do processo.


Mas, no fundo, eu só tava com medo de parar.

Porque parar exige olhar pro espelho retrovisor e admitir que a curva não foi o problema — o problema foi achar que eu já tava pronto, mesmo com o acabamento de um carro 1.0 da Volkswagen.


Aí é quando a vida te joga pro acostamento.

E ali, sujo de poeira e vergonha, você percebe que vai precisar reaprender a dirigir o próprio projeto de vida.


Até que aparece um mecânico, daqueles raros de se achar: um que não cobra um rim pra trocar umas pastilhas de freio nem inventa defeito na carburação da injeção eletrônica…


Ela, que já conhecia o modelo bem, olhou pra essa carcaça torta, escutou o barulho do motor e disse:

“Tem salvação. Mas vai ter que desmontar tudo.”



Customizar é massa, mas projetar é preciso!


E foi aí que começou o conserto.

Lento, cheio de graxa, com as ferramentas certas e uma paciência de Jó.

Ela não quis transformar o carro em algo novo. Quis restaurar o projeto original — aquele que o tempo, a pressa e o ego tinham coberto de poeira.


E, enquanto isso, eu fui percebendo que o design da vida não precisa de tanta batida, latarias amassadas e alinhamentos tortos.


Às vezes é bom entender que projeto também vai longe.


Mas a verdade é que a gente só entende o motor quando ele falha.

E talvez seja isso o que ensino, sem querer, pros meus alunos: que o percurso é feito pra correr liso, mas bater é inevitável.

Não existe currículo sem colisão.

Ninguém chega inteiro onde vale a pena chegar.


No fim, talvez sejamos todos projetos interrompidos — carros em reparo, alunos em teste, professores em recall espiritual.

E tudo bem.

Porque cada arranhão, cada perda de marcha, cada tentativa de recomeço é prova de que a gente ainda tá tentando rodar.


E se um dia eu finalmente me tornar Ferrari — ou qualquer coisa que ande reto — vai ser por mérito do bom mecânico (obrigado, mestra!) e não da pressa de parecer veloz.

Por enquanto, tô aqui: meio amassado, meio capenga, meio torto.


E cada vez que um aluno — desses acidentes lindos — olhar pra mim com toda a pureza irresponsável da juventude e disser:


“Professor… você é uma Ferrari pegando poeira.”


Eu vou responder:


“Na garagem, sim… mas pegando poeira, nem tanto.”


Porque, no fim das contas, acidente de percurso não para ninguém.

Ele só te deixa com uns amassados que, se você olhar de longe, até combinam com o para-choque.

 
 
 

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