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Anti-Manual de Design Contemporâneo: O cansaço como método

  • Foto do escritor: Ivan Sasha Viana Stemler
    Ivan Sasha Viana Stemler
  • 28 de out.
  • 3 min de leitura

Será que se eu tomar o 15º café eu dou uma levantada?
Será que se eu tomar o 15º café eu dou uma levantada?

Tem uma hora na vida — normalmente por volta das 20h45 de uma terça-feira — em que o designer pára, olha pro arquivo aberto e percebe que a genialidade é só uma palavra que o RH inventou pra mascarar o esgotamento.


Aquela “faísca criativa” que as agências romantizam em cases premiados nada mais é que cafeína, adrenalina e a pura incapacidade de admitir que o trampo já devia ter sido entregue ontem.


O cansaço é o nosso novo método.

Não aquele cansaço poético, de quem medita em Bali com a tipografia em Helvetica Light.

O outro.

O que vem de três revisões do mesmo PDF porque o chefe confundiu o botão de aceitar com o de rejeitar todas.

O cansaço de quem gasta meia hora explicando pra cliente que o azul do logo não muda “só porque o Word quer”.


A genialidade virou o burnout de luxo dos privilegiados.

Pra nós, o resto, ela vem entre uma mensagem de WhatsApp e o barulho da cafeteira engasgando.

É a ideia que surge quando o cérebro já entrou em modo avião — aquele lampejo que não vem da musa inspiradora, mas da necessidade de terminar pra poder dormir duas horas.


E talvez seja por isso que a coisa ainda funciona.

Porque o cansaço, quando não mata, depura.

Ele tira o supérfluo, o brilho falso, o pitching forçado.

É no limite da exaustão que a gente descobre o que realmente importa: o que cabe numa arte de 1080x1080 sem parecer um panfleto de açougue.


Eu já vi colega chorar diante de um layout.

Não porque era bonito — mas porque o Illustrator travou e o auto-save não estava ligado.

Vi gente ter epifania às três da manhã por descobrir que a sombra interna dava menos trabalho que recortar direito.

Vi talento desperdiçado em reuniões sobre “tom de voz”, “propósito da marca” e outras palavras que só significam: “ninguém sabe o que quer, mas quer agora”.


E no meio disso tudo, a gente cria.

Não porque tá inspirado, mas porque tem probleminha.

Porque o prazo não espera a alma florescer.

E porque, no fundo, a gente ainda ama essa desgraça.

Ama o cheiro de fritura emocional que é trabalhar com criação.


Tem dias em que eu penso que o designer é o novo operário do capitalismo simbólico:

cansado, fragmentado, e ainda assim convencido de que está mudando o mundo com um carrossel no Instagram.

Mas aí eu lembro que, mesmo no caos, tem beleza.

Que o olhar exausto ainda enxerga.

E que o design, antes de ser discurso, é gesto — e gesto cansado também é gesto.


A produtividade vende dopamina; o cansaço, curiosamente, revela humanidade.

O corpo sabe quando já deu, e é nesse “já deu” que mora a faísca mais sincera da criação.

Não a genialidade — essa, como disse, é privilégio de quem pode se dar o luxo de quebrar e ir pra terapia.

Mas a teimosia de quem insiste, suado, tremendo, apertando Ctrl+S como quem reza.


O cansaço é o filtro de tudo o que não precisa existir.

É ele que afina o olhar, que separa o essencial do ruído, que transforma o “não aguento mais” em “só mais esse ajuste e juro que fecho”.

E cada vez que a gente fecha, renasce um pouquinho — deformado, mais ácido, mas vivo.


Então sim:

a inspiração morreu — mas o deadline segue vivo e faminto.

E a gente também.


Porque no fim, ninguém quer ser gênio.

A gente só quer dormir com a sensação de que, apesar da exaustão, ainda fez algo que presta.

E talvez seja essa a definição mais honesta de design contemporâneo:

seguir criando, mesmo cansado, porque o mundo continua feio demais pra ficar sem nós. [Este é o texto 1 da série Anti-Manual de Design Contemporâneo.

Uma coleção de crônicas escritas entre café, cansaço e ironia — sobre o design possível, o humano e o improvisado.

Não é guia, nem lição. É só um lembrete de que o caos também projeta — e que a dúvida, às vezes, é o software mais honesto que a gente tem.]

 
 
 

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