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Anti-Manual de Design Contemporâneo: Docência em Design e o Delírio da Formação

  • Foto do escritor: Ivan Sasha Viana Stemler
    Ivan Sasha Viana Stemler
  • 31 de out.
  • 2 min de leitura

Dar aula é um ato de fé — e, às vezes, de burrice.


Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei...
Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei...

Você entra em sala achando que vai mudar o mundo, e sai feliz se pelo menos o projetor ligou.


Tem dias que eu me pego olhando pros alunos e penso: “talvez esse seja o futuro do design brasileiro.”

No segundo seguinte, alguém me pergunta se pode fazer o portfólio igual ao do fulaninho e a fé vacila.


Ser professor, principalmente de design, é viver num looping entre o idealismo pedagógico e o desespero prático.

A gente lê Paulo Freire à noite e, de manhã, corrige trabalho plagiado do Behance.

Fala de processo criativo, e o aluno quer saber quantos pixels tem um sonho (e geralmente é daqueles de padaria).

Fala de semiótica, e vem a pergunta: “professor, qual é a fonte do logo da Netflix?”


E, ainda assim, a gente tenta.

Tenta formar pensamento crítico em quem mal teve tempo de formar o senso de realidade.

Tenta ensinar que design é projeto, não aplicativo.

Que estética é política.

Que ética é mais importante que portfólio.

E que o “mercado” — esse deus invisível das planilhas e dos editais — é só mais um patrão com nome bonito.


Mas o que a docência me ensinou mesmo é que não existe redenção.

Algumas universidades não são templo, são fábrica.

E nós, professores, somos operários de uma linha de montagem que produz diplomas em série e frustrações personalizadas.

No fim, todo professor de design é uma versão cansada de Pink Floyd com Victor Margolin no bolso e dívidas na mochila.


Às vezes, eu penso que tô salvando meus alunos do mercado.

Na real, é o contrário: são eles que me salvam da desistência.

Eles me lembram por que vale a pena insistir — mesmo quando tudo parece uma piada mal diagramada.

Eles erram, fazem ctrl+z, colam, refazem, tentam de novo.

E nessa insistência tosca, às vezes, acendem um lampejo de sentido que me segura mais uma semana.


Eu não sou herói de sala de aula.

Sou o professor que ouviu Another Brick in the Wall demais e ainda acredita que dá pra consertar o muro.


Fracassado, mas com orgulho.


E, como diria Darcy Ribeiro, cujo legado vigia o campus no qual eu tento terminar meu mestrado e, sobretudo, a minha consciência de educador em formação:


“Fracassei em tudo o que tentei na vida

[...]

Mas os fracassos são minhas vitórias.

Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”


Talvez seja isso.

Dar aula é fracassar, só que com propósito.


[Este é o texto 4 da série Anti-Manual de Design Contemporâneo.

Uma coleção de crônicas escritas entre café, cansaço e ironia — sobre o design possível, o humano e o improvisado.

Não é guia, nem lição. É só um lembrete de que o caos também projeta — e que a dúvida, às vezes, é o software mais honesto que a gente tem.]

 
 
 

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