Anti-Manual de Design Contemporâneo: Como diria um amigo meu: Design é truque.
- Ivan Sasha Viana Stemler
- 29 de out.
- 3 min de leitura
Um amigo meu — desses que já rodaram tudo, de agência a edital público, e ainda tem coragem de sorrir — me disse uma vez:
“Design é truque.”
Na hora eu ri.
Depois percebi que era uma das coisas mais sérias que já ouvi.

Porque é isso mesmo.
Design é truque.
É convencer o cliente de que o branco é uma cor.
É fazer o PowerPoint parecer uma revista.
É disfarçar 30 reais de orçamento em cara de campanha milionária.
É pegar um prazo impossível e fingir naturalidade, como se o coelho tivesse realmente saído da cartola tranquilamente — e não por desespero.
O truque do design não tá em enganar.
Tá em sustentar a ilusão.
É olhar pro caos e dizer: “relaxa, vai ficar bonito”.
E, de algum jeito, ficar mesmo.
Não porque a gente domina o universo — mas porque aprendeu a dobrar o tempo entre um render e outro.
O problema é que o público acha que a gente é mágico.
Mas a verdade é que a gente é mais palhaço.
Enquanto o cliente aplaude o logo novo, a gente tá lá, escondendo o sangue do nariz e apagando camada por camada pra ver se a IA não bugou o PSD.
E tudo bem. O design é isso: o truque da elegância em meio à desgraça.
O mágico de Las Vegas tem luz, fumaça e contrato.
A gente tem deadline, Canva e fé.
Ele desaparece com uma mulher com cara de supermodelo no palco;
a gente faz sumir uma gafe editorial de 200 páginas antes do fechamento.
O pior é que, pra nós, ninguém paga o ingresso pra ver.
Mas o mais bonito é que o truque só funciona porque, por um instante, todo mundo quer acreditar.
O cliente, o público, o designer.
Todo mundo finge que é ciência, método, processo.
Mas lá no fundo, a gente sabe: é instinto, improviso e uma mentira bem diagramada.
O design é o único ofício que sobrevive entre a gambiarra e a liturgia.
Um pé na estética, outro no desespero.
E, no meio, uma prancheta espiritual onde a gente escreve: “entregar até amanhã”.
Toda arte tem sua trapaça, mas o design é a única que admite isso e ainda chama de estratégia.
A diferença entre design e improviso é só a apresentação em PDF.
E, cá entre nós, ninguém presta tanta atenção assim no PDF.
Ser designer é acordar todo dia e repetir o truque — mesmo sabendo que o coelho já morreu há três temporadas.
E ainda assim, abrir a cartola com esperança de que ele volte.
Tem quem ache isso trágico.
Eu acho bonito.
Porque, no fim, o que sustenta o truque não é a mágica, é a vontade de continuar encantando, mesmo sabendo que o mundo inteiro já viu o fundo falso do palco.
Então sim:
design é truque.
Mas o truque funciona — e é isso que nos mantém vivos, rindo, e prontos pra mais um número.
[Este é o texto 2 da série Anti-Manual de Design Contemporâneo.
Uma coleção de crônicas escritas entre café, cansaço e ironia — sobre o design possível, o humano e o improvisado.
Não é guia, nem lição. É só um lembrete de que o caos também projeta — e que a dúvida, às vezes, é o software mais honesto que a gente tem.]



Comentários